O diabo é que dói sem nem dar conta

Eles gostavam do famoso três-dentro-um-fora, que se trata dum jogo de rua onde dois jogadores precisam acertar o gol controlando a bola sem deixá-la pingar no chão. Dominar antes do arremate também é proibido, só vale gol de primeira. Três gols troca o goleiro, um chute pra fora elimina o tonto que chutou e dá ao goleiro da vez sua chance na luz. Caso o goleiro consiga evitar um gol com a cabeça ou encaixe três bolas sem rebote, também vai pra linha. Um muro alto é o mais aconselhado, pois os chutes na lua não se acabam nunca. O problema nasce quando dentro da muralha perfeita prum jogo de tardes inteiras mora dona Lalinha. Poxa vida, não é preciso nem montar as traves com chinelo: entre o poste e a árvore se dá o namoro perfeito. Mas não importa o quanto se diga pra chutar baixo pois a velha não devolve a bola, sempre tem um imbecil. E daí era um auê danado. A bola dá sem dó nem piedade no capô do carro, e instantaneamente dispara o alarme e a velha lá de dentro que sai aos berros atirando pra todo lado vou furar essa bosta duma vez, é todo dia essa pancadaria no muro acerta portão essa gritaria tá tudo sujo o carro amassa aí ninguém quer saber… Num dia de sorte as primeiras mãos a tocar na bola lá de dentro eram de Cristina, o anjo filha do demônio, e a bola voltava à rua intacta, junto dum meio-sorriso de quem vê a encrenca de fora e com as mães já todas doidas na rua, arrastando pelas orelhas a molecada pra casa. O que já era uma vitória. A bola está viva. Amanhã tem mais. Amanhã sempre tem mais.

Até o dia que não tiver mais.

8 comentários em “O diabo é que dói sem nem dar conta

  1. Gostei de sua escrita. Penso que você achou um jeito de “dizer” que para mim – leitor – provoca meu interesse. Eu gosto. Desejo ler mais. Parabéns.

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