Um tipo de amor que é de comer e cuspir no prato

Céu azul. O primeiro sol da manhã batendo no rosto. Fone no ouvindo. (Prince gritando dentro dele). Cadeirinha de área. Baseado entre os dedos. Vento soprando, fumaça subindo e eu rindo sozinho pensando em Jorge. Que também é Messias, igual a Jesus Cristo. Pois bem. Vou contar a história de Jorge Messias. A prova viva de que tragédia e comédia são apenas dois lados da mesma moeda.

Jorge dia desses tocou fogo nas roupas da mulher. Como Cristo faria, caso cheirasse quinhentos pilas numa madrugada. Começou com a mulher – de Jorge, não Magdalena – se aborrecendo por ele estar tentando morder a própria testa no meio da festa sem um mínimo de pudor. Ela gentilmente o puxou prum cantinho e sugeriu que se aquietasse ali e deixasse de interagir, mas aquilo pra ele doeu mais que um tiro, pois jurava de pés juntos estar bem, não ter usado nada de nada e daí começou a gritar que se sentia traído por ela não acreditar em sua palavra – talvez por ele estar literalmente rosnando e andando de um lado a outro e balbuciando frases sem fim com os olhões GRANDÕES ASSIM encarados nela. Ela tentou falar baixinho, chamar ele de amor, pedir calma. Tentou ser discreta e paciente mas era tarde, já estava chorando. O que a fez perder a compostura foi ter implorado a ele por misericórdia, que só nesse dia, apenas esse, não enchesse o rabo de pó pois estariam na casa de seus pais, sua família estaria na festa. Ele prometeu. Selaram com um beijo, ela acreditou que com sua mãe na parada ele não seria capaz mas lá estava ele, poucas horas depois da promessa sem conseguir pronunciar uma palavra ou mesmo piscar, pisando pra lá e pra cá e repetindo NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO enquanto olhava de um a um fazendo força pra manter os olhos semicerrados na convicção de que viraria o jogo. Ela então o mandou à merda. Jamais que o deixaria ali com sua família no estado em que se via. Ele saiu mas jurou que ia se matar. Que morra, pensaram. E foi. Foi até a casa dos dois e juntou tudo o que fosse dela, amontoou na calçada e bam, álcool e fósforo. Devia ser entre três e quatro da madrugada, e pelo menos não foi nela – foi assim que ele se defendeu no dia seguinte, ao nos contar esta história no trabalho.

Deu uma puta confusão. A família da moça quis matar Jorge. Jorge também quis matar todo mundo. Quando enfim chegaram num valor razoável pra ninguém ter de morrer, ela apareceu namorando outro e começou tudo outra vez. Ele que pague suas roupas agora, bradava Jorge. Pra nós, no trabalho, argumentava que se o cara assume namoro com uma mulher, tem por obrigação assumir tudo o que vem junto, de filhos a roupas queimadas pelo ex-marido. Foi um jeito rude de dizer: só pago suas roupas se você voltar pra mim. E ela voltou. O pai dela jurou morte ao genro, os irmãos dela só não o mataram no trabalho porque ele sumiu por uns dias e ninguém sabia onde encontrá-lo. Da parte de Jorge ninguém ousou defendê-lo. Mas que doença é o amor, contra tudo e contra todos ela o perdoou. Antes o esfaqueou na perna, mas hoje eles vivem tranquilos. Não frequentam a casa de ninguém e ele manca bastante.

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