Marilyn Manson – histórias que levar ou não pro túmulo não faz a menor diferença

Já me disseram que tenho uma facilidade pra sumir, digamos, encantadora. Adoro ironia. Mas vamos lá, João Gilberto era encantador. Um velhinho de pijama exilado num apartamento tocando violão doze horas por dia. Dando a mínima pro singelo detalhe de ser a principal mente dum movimento que influenciou crianças como Chico e Gil, do qual fizeram parte Tom Jobim, Roberto Menescal, Vinicius de Moraes, Nara Leão et cetera. Eis o encanto. Eu sou, no máximo, uma bagunça. Mas já dizia Fred do Scooby-Doo: desabafo é pra maricas. Amanhã termina minha quarentena. É hora de deixar a covardia de lado e morrer pela reeleição do Bolsonaro. São Paulo volta a funcionar exatamente no momento em que o furacão chega arrombando as portas. São uns gênios mesmo, esse Bolsodoria e seu zeladores. Aqui em Marília, passamos um tempão com dois três casos por semana, quando muito. Já tem umas duas semanas os casos passaram a subir de dois a dois degraus: de dois por semana a sete por dia, dez doze vinte. Qual a solução do prefeito – frequentador assíduo duma das igrejas mais fundamentalistas e dogmáticas do planeta, CCB, onde cada terninho ali sentado se sente o único representante legítimo de Javé na Terra? Abrir o comércio. Se você procurar por Daniel Alonso por aí, vai encontrar um vídeo de dias atrás, numa coletiva, o prefeito olhando pra sei lá quem e mandando ver: se for pra morrer, que seja trabalhando, né, Marcelo?! Todos riram, e agora o comércio abriu. Bolsonaro venceu mesmo no grito, quem diria, tantas e tantas cartas de repúdio e nenhuma explodiu o Palácio do Planalto. É nisso que dá. Mas já estão falando de coronavírus em tudo quanto é canto. Gente realmente gabaritada pra falar do assunto. Drauzio Varella, Doutor Bactéria, craque Neto. Como não tenho nada novo a dizer, além dos clássicos lave bem as mãos e não vote no Bolsonaro, melhor mudar de página. Essa semana minha avó morreu, agora é oficial: não tenho mais avós. Algo no fígado, e ela nem bebia. Uma lembrança boa me veio quando da notícia. Lembrei da noite em que apareci em sua casa antes duma festa qualquer, numa calça que vovó julgou apertada além da conta, e então ela me advertiu, num tom meio cômico meio preocupado: cuidado, filho, os meninos vão passar a mão na sua bunda. A primeira música que o aleatório tocou depois foi Marilyn Manson, Devour. My pain is not ashamed to repeat itself. Confesso me sinto com quinze anos outra vez sempre que toca Marilyn Manson. Nessa época eu também queria aquelas lentes bizarras e o sobretudo e suas botas e cabelão. Hoje em dia só quero a Dita Von Teese. Falando nisso, tive também uma página do Manson no FB. Quando chegou a uns seis cinco mil seguidores eu já estava me sentindo o PC Siqueira. E olha que nem um nome decente tive a capacidade de arrumar. A página nasceu “Marilyn Manson u.u”, depois rebatizada Humorilyn Manson. Devo a Duda essa revolução. E também o crescimento da página, sua continuação e tudo mais. Nunca me dei com essa coisa de internet e photoshop. Mas conheci pessoas fundamentais nesse tempo. Eduarda mexe com isso de criar slogans de empresas e páginas e deixa seu site bonitão se você quiser. Não sei se ainda faz isso ou se essa nem era sua atividade principal. Sei apenas que é catarinense, feminista radical no último, quase uma surfista do feminismo, e a única amiga que tive daquele estilo que ambos se odeiam, brigam o dia todo mas estão todos os dias de cedo até noite trocando ideias. Depois dum tempo seu então namorado acho que pegou pilha comigo, fez ela abandonar a página e tudo, e daí ficamos um tempão sem falar. Ela ainda não falava tanto de independência e empoderamento, isso veio depois. Voltamos a falar noutro dia mas foi apenas um papo nostálgico. A primeira amizade duradoura mesmo foi de Melissa. Amy pros íntimos, Mel pro resto. Sergipana. Quando nos conhecemos ela namorava uma menina sem as duas pernas. Isso sim é minoria. Uma vez ela me disse que seu irmão inventou de experimentar crack e ficou doido. Não falava coisa com coisa, não conseguia sair de casa sozinho e acho que até hoje não voltou completamente ao normal. Devia ter uns quinze anos o menino. Na hora eu ri, mas não tive coragem de dizer a ela. Mentiras sinceras me interessam, já dizia Cazuza. Depois ela casou com um rapaz, começou a ir pra igreja cuidar das criancinhas, passou um tempo bolsonarista, uma espécie de Sara Winter com cérebro, mas exatamente por isso, possuir um cérebro, logo abandonou o barco e passa bem. Graças a essa experiência descobriu um amor e hoje vive disso. Professora infantil. E pra terminar a sessão pessoas e momentos que ninguém dá a mínima, não posso morrer sem falar da Carla. Ca. Professora de crianças também. Alguém já pesquisou profundamente se gostar de Marilyn Manson tem qualquer relação com a profissão? Se você souber de alguma matéria interessante sobre o tema, estou à disposição. Ela dá aulas de inglês, espanhol, português, não passaria fome na Alemanha e sabe de cor a diferença entre por que porque por quê e porquê. Eu nem me atrevo tentar. Quando dei nela um de meus golpes de sumiço e passamos anos sem falar, ela me perdoou como quem pisa sem querer no seu pé numa dança lentinha. Nunca me cobrou por isso e tem a bochecha mais bonita do Brasil. Não sei se é culpa do nariz que combina direitinho ou se a bochecha é bonita por si só, mas que dá vontade de morder até arrancar, isso dá. E por mais que pareça que estou falando duma porrada de gente, na verdade estou falando de mim, pois falar do outro é só isso: falar de nós mesmos. Ca nasceu no Pará e vive lá até hoje, sorte a dela. Me mostrou todo tipo de comida, inclusive açaí de verdade, sem granola leite condensado banana chocolate cobertura et cetera, só açaí. Nunca comi, mas ela jura que é impagável. Segue uma filosofia que diz que se tudo está dando errado, você tem a obrigação de se desesperar. Nada pode ser pior que o desespero absoluto.

Quem souber sorrir praquilo que perdeu, venceu.

Não duvido que essa coisa de falar dos outros quiçá não seja tão verdade assim. Verdade é. Mas não falamos de nós apenas quando falamos de alguém. Sempre falamos de nós quando falamos de qualquer coisa. Mas muitas vezes falamos pra não esquecer, outras pra esvaziar de vez. O importante é não apurrinhar quem está quieto. Isso devo a Emílio Surita. Se quiser falar de outrem, fale pelas costas. Desabafe todas as suas críticas, deseje que fulano seja arrastado por um ônibus, que tal pessoa pegue fogo, que outra pule dum prédio, xingue à vontade, critique cabelo barba comportamento short curto bunda murcha chinelo velho excesso de gírias ou namorados ou namoradas riso louco gritaria palavrão, qualquer coisa, só não atrapalhe o dia de ninguém com uma opinião não solicitada. E lembre-se sempre, você não tem o poder de influenciar o destino de alguém apenas torcendo muito. Ou falando bosta. Bukowski chega a ser obsceno de tão claro: escrever pra não enlouquecer. Substitua escrever por fofocar e vai entender melhor.

7 comentários em “Marilyn Manson – histórias que levar ou não pro túmulo não faz a menor diferença

  1. Separo o que falamos e o que fazemos em duas possibilidades que perfazem um “cartel”: ou falamos pra distender a ansiedade nos nervos periféricos (de frustrações, remorsos e tédio); ou pra ordenar a agenda infinita de promessas de fim de ano a cumprir em dez anos; ou para punir alguém por nos desafiar em alguma aposta infantil.

    De resto, se falamos bem ou fazemos algo de útil é porque: 1) ou cumprimos alguma das promessas, e nos sentimos como Teseu ao escapar do Minotauro (sem ter de matá-lo), ou; 2) vamos morrer em breve.

    A vida é uma novela assistida enquanto estamos no vaso, na cama do hospital ou em uma montanha russa. Não sabemos o que vai acontecer mas, quase sempre, pensamos que somos o centro das atenções.

    Como eu, agora. 😅

    Parabéns pelo “vômito apaixonado”!

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  2. Por você ser quem cujo sumiço não faz falta, porque você some mesmo e não deixa espaço para a gente ter de correr para acompanhar uma super produção literária (time is money, como se só esse fulano desesperado escrevesse. Eu adoro ler, mas preciso de tempo para ver Jaspion, Todo Mundo Odeia o Cris e Chaves, também), e assim, chegar a desejar uma ocasional falta, você faz falta, pelas razões que mais importam – querer a presença.

    Eu tenho esquecido da caixa de email. Isso era bom no tempo em que se mandava mensagens, como cartas pessoais. Agora são apenas comunicados de pessoas querendo seu dinheiro por um clique. Um clique-bait, um clique-fishing, um clique view. O que interessa não vem.

    Sem sacola sequer para entrar no dito-cujo, vim direto procurar no leitor. Eis que tu escreveu! Só pelo conteúdo e o decorrer, entendo mais porque aprecio e é preciso te ler.

    Quase não tenho lido livros ou blogs, de tanto escrever, pesquisar, revisar o próximo livro. Além de louco, nesse miste às vezes sorrio, outras meio desespero, algo em mim paquera o psicótico. Fale pro Nietzsche que das estrelas não tenho certeza, da dança delas menos, mas do caos de dentro, porra, esse barato é louco. Escrever escreveeer, é buscar sanidade na loucura, para além do que já é seu. Afundar em si, em outros, se embebedar de tantas coisas, que se em uma direção enlouquece, na outra se morre de verdade. E não sobra muita escolha, assim…

    Por todo o antes citado, a ti sempre hei de arranjar tempo de ler.

    Meus sentimentos por seu momento de perda, Dearrot.

    Partidos à parte, o atual presidente é reflexo do “Renascimento Inverso” que vivemos. Vai piorar bastante ainda. O Cazuza, num show no Rio em 1985, falou dessa “Idade Média que está aí, e espero que vá embora logo”. Ou Renato Russo, em Duas Tribos, “quando querem transformar dignidade em doença, inteligência em traição, estupidez em recompensa”. Daqui a pouco, o cientista vai ter de escolher entre cicuta e fogueira, os livros vão para o fogo, e a religião assumirá o Congresso e o STF. A religião do lado protestante, claro. O Jesus pobre e sem apego material não dá, né. “Largue tudo e siga! Dê a César o que…” nem fudendo, né? Quem disse que trabalho é para ser feliz e para viver? O negócio é lucro! Se encher de grana, depois de remédios e de drogas, Vamos , depois depressão e a vida é isso aí. Vamos, tempo é… bem, vamos lá. Vamos morrer – e matar – trabalhando.

    Ótimo texto Dearrot, grande abraço.

    PS: fica sumindo, toma esse contratexto aí, sem querer quase.

    Curtido por 1 pessoa

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