Loucademia de Polícia Militar

Apareço aqui a cada meio século, quando apareço, e sempre reclamando que não tenho o que falar. E não é por mal, eu realmente tenho pouquíssimo a dizer. Deve ser isso, ter o que contar até tenho, o que não tenho é tanto o que contar assim, e por isso apareço pouco. Mas acontece também de chegar aqui com tudo na cabeça e não conseguir tirar, ou conseguir e perceber que no papel não ficou tão fantástico quanto parecia na minha cabeça. Antes de sair falando falando falando ser dizer muita coisa, vou citar um exemplo. Dia desses, sentados um amigo e eu numa pista de skate, vimos um policial roubando uma bicicleta. Meu amigo viu. Eu vi. Quem estava lá viu. Se você estivesse lá também veria. Ele subiu na bicicleta e saiu pedalando de farda e tudo. São coisas assim que não sei contar, e quando você tenta, logo cai no ridículo e desiste. A pista de skate não é só uma pista de skate. Do lado esquerdo dela fica uma quadra de futsal e basquete. E do lado direito um campinho de areia sem trave nem nada, só areia. E um grande alambrado ao redor do quarteirão contornando todo o espaço. Um poliesportivo, esse é o nome – estava na ponta da língua. Pois bem. Pra chegar à pista de skate é preciso descer uma escadinha pouco depois da entrada (mas se quiser sair -ou entrar- sem precisar dar voltas, também existe depois do campinho de areia uma outra entrada). É nessa escada onde nos sentamos. Acabamos de chegar. Dez onze da noite, no máximo. Tiramos do bolso o bom e velho pra dichavar. Coloquei no celular um Djavan pra combinar com o vento no rosto, e no melhor estilo PM paulista, a viatura simplesmente brota da entrada pra dentro. Com a mesma velocidade, muitos dos moleques que estavam dentro da pista de skate, mais pra outra ponta, sabe-se lá os motivos, cada qual com o seu, resolvem arriscar e saem feito meteoros pelo portão lateral. E nós ali, paralisados. A polícia estaciona do nosso lado. Nisso meu amigo já tinha devolvido a maconha ao Universo. Mas estávamos ali, paralisados e esperando nosso mais novo enquadro. Além de nós, apenas um outro grupo de amigos sentados também na pista de skate, e mais uns rapazes na outra escada que fica uns cinco metros à direita da nossa. Do carro da polícia, encarnando o Tropa de elite, três armários, cada qual com sua pistolinha na mão, partem em busca dos fugitivos. Nem olharam na nossa direção. O que restou lá dentro deu ré e saiu disparado pra pegar os parceiros em qualquer lugar. Pra evitar ter de correr até o portão e perder segundos preciosos, os três patetas tiveram a brilhante ideia de cortar caminho por cima do alambrado, só não calcularam direito o voo da galinha, e acabou que o alambrado peitou os três. Parados, sem reação, como três crianças de castigo no portão de casa olhando as outras crianças correndo na rua, sumindo no horizonte, um teve outra grande ideia. Se voltou contra uma bicicleta deitada ao lado dos outros meninos juntos na escada (o dono, quiçá ciente da necessidade vital que é pra nossa honrosa polícia militar dar na cara de pretinho pobre, seja pra desestressar dum dia cheio ou pra enganar a brisa do pó, não cogitou negar o empréstimo), voltou com ela até a grade, arremessou a coitada pro outro lado da rua, estufou o peito, subiu se pendurando entre uma árvore na ponta do alambrado e a madeira que o segura, caiu de pé do outro lado, só faltou as mãos na cintura e uma capa, então levantou sua batmoto, montou nela e desceu a rua pedalando em alta velocidade atrás do Pinguim e seus comparsas, sendo em seguida imitado pelos outros dois – esses a pé, não tinha bicicleta pra todo mundo. Passamos cinco minutos em silêncio, processando a coisa toda. Imagine você, vindo lá de baixo, tranquilo e calmo, caminhando pensativo, de repente vê descer um fardado em cima duma bicicletinha pedalando desesperado como quem deseja voar, atrás de ninguém, pois você não viu ninguém passar correndo primeiro, o tempo que a polícia precisou pra se livrar das grades do poli sobrou pros moleques que saíram fugidos, enfim, essa pessoa eu queria saber do nó que deu no cérebro.

Aqui nesse espacinho, planejei mais cedo me comprometer com uma pequena mentira: a de dar as caras toda semana. Muito provavelmente isso não vai durar duas semanas. Ou uma. E antes de aparecer pra ficar lamentando a falta de criatividade, melhor é não dizer nada. É isso. Até ano que vem, ou a próxima quarta – nunca se sabe.

E se você der por topar numa bicicleta jogada por aí, toda vermelha com três listras pretas no quadro, o banco branco e a garupa também preta, se tiver qualquer risco ou guidão torto pedal quebrado marcha quebrada, qualquer vestígio de que tenha caído do céu, afogue seu baseado, a polícia pode estar por perto.

17 comentários em “Loucademia de Polícia Militar

  1. É impressionante como a PM paulista se encontra “empoderada”. É uma constante tentativa de demonstrar seu poder que poderia ser patético se não fosse letal.
    Deus queira que você apareça toda a semana com seus textos, é o que mais precisamos!

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    1. Realmente. Ainda mais sabendo que temos governadores e o próprio presidente legitimando em voz alta os crimes que a polícia comete no escuro, não te resta muito a não ser torcer pra não dar contra nenhum deles num dia ruim. Obrigadão a atenção e as palavras bonitas. Tamos aí

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  2. “Mas acontece também de chegar aqui com tudo na cabeça e não conseguir tirar, ou conseguir e perceber que no papel não ficou tão fantástico quanto parecia na minha cabeça.”

    Também acontece comigo direto, é foda! Janaina RochidoJornalista / Mídias DigitaisBelo Horizonte / MG  https://www.linkedin.com/in/janainarochido/

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  3. Quanto mais zoado um país e suas instituições, mais difícil é levar uma vida honesta ou pacata. Brasil é level hard. E o que para um gringo é hard, pra nós é normal.

    Que cena louca. A polícia não tem o que fazer, tanta energia gasta para resolver tão nada. O crime que importa no país, que merece atenção da polícia paga com nossos impostos, é pegar fumante de fumos não regulamentados. Ah, que beleza!

    Dearrot, penso que frequência vale, se serva da qualidade. É melhor uma transa inesquecível de boa, que dez trepadas meia-boca. E tu, meu amigo, acerca das letras, transa bem pra caralho.

    Dez transas intensas serão apreciadas, certamente. Só não dê mais importância ao lubrificante que ao lubrificado. (isso faz sentido?!)

    Estou pornográfico, hoje. Mas creio que me fiz entender. Espero.

    Abraço, Dearrot!

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    1. “O crime que importa no país, que merece atenção da polícia paga com nossos impostos, é pegar fumante de fumos não regulamentados.”. É isso. E sim, antes transar pouco mas com beijo na boca, do que uma paulada daquele sexo põe-de-lado-a-calcinha-e-só. Adoro seus conselhos, bicho. Abração e obrigado por aparecer sempre. Tamos aí.

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