Breve como o tempo

Se Deus não dorme abraçado com Tom Jobim. Por favor, me dê só uma noite, Santo Pai. Uma noite. Num bar. Qualquer bar. Preciso dum trago só. Dois, se não for abuso, e olhá-lo de longe. Me bote ali, num banquinho ao lado do banheiro, perto daquele negócio onde os cavalheiros escarravam. E me traga de volta. Pode me trazer logo na primeira vista. No primeiro cigarro. Daí não peço mais nada.

Zuza Homem de Mello, num Roda Viva de 1993, vaticinou: “Seremos vistos como a geração que teve o privilégio de conviver com Tom Jobim”. Realmente. Ao menos ainda temos Zuza Homem de Mello e podemos provar que Tom Jobim existiu. Sensação parecida, se é que cabe qualquer comparação em se tratando de Tom, tenho ao abrir um novo livro do Chico, ou dar play num disco novo: que não seja o último. Por falar nisso, segundo o Le Monde, Chico está numa caverna em Paris, entre páginas: que não seja o último. Eis um Deus cuja presença ainda podemos almejar. Não somos Zuza Homem de Mello, mas ainda nos resta alguns poucos deuses humanamente alcançáveis em nosso Olimpo judaico-cristão: Macalé, Ben, Gil, Donato, Elza, Tom Zé, Mano Brown, enfim, me dói não poder citar João Gilberto. Essas fotos que sua família, em constante pé de guerra quanto ao dinheiro que ainda lhe resta, duvido que ainda lhe reste tanto, publica vez ou outra não pode ser chamado de vida. Voltando a Francisco, o único problema, embora amante de longas caminhadas, Chico, por estratégia, anda muito depressa. Antes de você se dar conta de que aquele vulto que acabara de passar usando calça de moletom e camisa de malha com as mãos no bolso tem qualquer semelhança com Chico Buarque, ele já virou a esquina e você se esqueceu do assunto. Mas isso tudo ouço de bocas. Bocas que vão passar, pois é preciso que elas passem. E longe de mim ser Olavo, que já nasceu convicto de sua importância na posteridade. Que o futuro não tenha misericórdia, de mim nem de ninguém. Esqueça cada palavra, página por página, canção após canção, esqueça do Olavo também esqueça esqueça. É no piano de Antonio que mora a eternidade.

11 comentários em “Breve como o tempo

      1. É esse tipo de asneira, que você escreve, que me interessa. Real, bem escrita, com estilo próprio, que nos faz lembrar do passado, imaginar a narrativa, e pensar no futuro. E se sentir bem com isso, mesmo quando há tristeza no conteúdo; faz parte de nós, também.
        Mas o Paysandu é de chorar de rir…
        Caso o livro te inspire e divirta, ficarei feliz. Obrigado pelo crédito.
        Que um pedaço da sua casa seja sempre aqui no wordpress; você é um das poucas pessoas por quem fico esperando um texto. Um grande abraço.

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      2. Você vai me desculpar, mas não sei reagir a elogios. Palavras bonitas quebram a gente no meio. Só um obrigado seco é muito pouco. Rostinho feliz não ajuda. E ficar devolvendo elogio como quem diz “tira isso de mim tira tira” soa falso pra chuchu. Vou te agradecer um tantinho constrangido por só ter na manga esse obrigado. Mas muito obrigado mesmo, pela atenção e tempo perdidos. Essa sua atitude pra com pequenos blogs, estando junto e debatendo/comentando, sempre incentivando mais um passo, e o mais importante, lendo, e não rapidinho como se lê alguém cujo like que acaba de dar espera de volta, lendo como se lê uma Folha ou Estadão, como quem paga pra ler. Isso é peça importantíssima pra sobrevivência desse espaço como um todo. Parabénss e muitos prêmios, vai que vai (acabei por tentar devolver o elogio e parecer falso pra chuchu mesmo, heim, devia ter ficado quieto no obrigado, me desculpe).

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      3. “Lendo como quem paga para ler”, genial. Eu leio como quem procura ar e luz do sol. Sua resposta é como seus textos, você escreve bem pra cacete. Você tem literatura nos dedos, e a mim, tem ficado melhor.
        Falso pra chuchu, kkkk.

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